segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Carta para o meu filho que não viveu. Série cartas


Para o meu filho que não viveu ( Série Cartas)

Já fazia tempo, que eu não vasculhava as lembranças guardadas entre os papéis, estava tudo quase esquecido. As contas antigas, os antigos cartões de natal, os bilhetes deixados pela manhã por seus irmãos, por seu pai. A sua certidão de nascimento. Agora eu relembro os movimentos em meu ventre, os pensamentos sobre o que faríamos, o beijo na porta da escola, o cadarço do tênis mil vezes refeito e as colherinhas com formato de aviãozinho, as rodinhas de apoio na bicicleta, com a sua seriam sete, todos nós amamos bicicleta e quando vamos aos passeios nos dividimos em dois carros para poder carrega-las. Tenho certeza que iria gostar de nós, nós estamos sempre juntos e quando chegamos aos lugares as pessoas nos observam, devem pensar: _ Nossa que família grande! Nenhum dos seus irmãos tem olhos verdes, só você os tinha iguais ao do seu pai, algumas vezes falamos sobre isso, mas logo mudamos de assunto, ainda ficamos tristes quando lembramos de você. Não é uma tristeza que nos faça chorar, até sorrimos, lembramos do quanto te esperamos, do quanto quisemos que estivesse conosco nos anos que se passaram. E nossa! Como custaram a passar os primeiros anos. 

Seus irmãos são maravilhosos, gostam de esporte e rock pesado, algumas vezes quando se aprontam para sair juntos, meu pensamento traz você de volta, eu te vi crescer assim, pelos olhos do seu pais, pelo porte atlético do seu irmão do meio, pelo sorriso do seu irmão mais velho, imaginei em cada festa de Dias das mães na escola seu presentinho, sua carinha feliz...feliz sim! Porque você seria muito amado, e todo dia abraçaria você e sentaríamos pra conversar, pra fazer cálculos, falar de namoradas, de bicho, de gente.

Eu te contaria as histórias do meu dia, você do seu e de madrugada ajeitaria as cobertas sobre você, como ainda faço com seus irmãos. Você tem uma irmã. Branquinha de cabelos longos, usa aparelho nos dentes há algum tempo, ela tem o jeito do seu pai que é muito calmo, não tem pressa pra nada, e isso me deixa louca, sou apressada, quero tudo pra ontem, quero tudo organizado, e foi por isso que eu encontrei hoje a sua certidão de óbito, porque precisava jogar fora as coisas velhas que foram se acumulando pra ter espaço para o material de escola do seu irmão caçula, o seu irmão caçula... É ele ainda não sabe de você, mas um dia saberá, pois ainda não entende certas coisas, mas pra outras ele é danado..principalmente matemática, ele é uma alegria dentro da nossa casa, bagunceiro, dançarino e carinhoso, tão carinhoso que dá gosto de ver.

Às vezes faço poesias pra você, mas pensam que é um para um grande amor perdido, jamais comentei sobre sua partida, não choro mais, porque decidi te manter vivo dentro de mim, cada lembrança, cada sorriso, cada pequeno gesto. Eu queria que tudo tivesse sido diferente, mas foi assim que aconteceu a sua breve história e nem por isso, nem pela falta de fotografias, de passeios, de roupinhas envelhecidas e trabalhos de escolas que meu amor diminuiu, nem a saudade ficou pequena, ela apenas se acomodou num lugar dentro de mim que só te cabe, é como se houvesse em mim um ventre imaginário, onde todo dia te gero e te espero e te amparo. Essa não é a primeira carta que te escrevo, mas enquanto escrevia percebi que o dia está ventoso, como no dia que você nasceu...meu pequeno Gregório. 

Cristhina Rangel. 

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