sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Olhos cães

Teus olhos cães


Odeio os teus olhos cães
Me despindo
Teu nariz curvo farejando
Minha libido
Tua língua me lambendo
Essa voz rosnando
Feito bicho os meus sentidos

Teus olhos cães sem dono
Me obrigando a te cuidar
Suas garras pontiagudas
A me marcar

Teus olhos cães me perseguindo



Cristhina Rangel.  

Duelo

 Este meu semblante calmo é disfarce
Oculto o pulsar do meu sangue é quase guerra
Este duelo, entre a razão e a insanidade
Vejo o teu vulto abraçar-me
Volto e não o encontro mais
É somente o espectro da saudade
O pensamento é uma nuvem
que passa nublando outras verdades
Outros beijos, e o meu corpo
Em exílio, cativo, o desterra
Vens sem piedade afoguear-me em desejos
Assim sem que eu o queira
Subverte a minha resistência
E sou entregue, vences a peleja.



Cristhina Rangel.  

As mulheres sem cabelos

Esvai-se o tempo Jovens mais jovens do que eu
Se vão, em vazios profundos
Sem queixas, sem duvidas
apenas partem, sem deixar sonhos pra trás.

Também não me queixo

Admiro os lenços, as toca, os adornos
das mulheres sem cabelos, elas ficam iguais,
somos iguais sem pelos.  Eu admiro cada sorriso

as contagens progressivas de suas vivências
de suas experiências no escuro, as que  trouxeram
à luz dos meus olhos embaçados.
Cada uma conta a história das suas cicatrizes,
dos seus laços, dos seus nós em suas gargantas,
de todas as coisas que foram silenciadas e que
voltam agora como um grito, contido mais tão evidentemente forte
quanto desejo enorme de vida.


Eu sigo, já nem preocupo com meus cabelos, ou com meus pelos
ou com a minha pele, percebo que o que sinto é mais inteiro,
não tem mais o pavor da febre, ou da náusea. Fica ecoando em mim
esses sons e esses enfeites que veja n'alma delas. Todas sangram,
inevitavelmente, todas se revelam tão únicas, tão ternamente afeiçoadas
as suas mazelas, e nenhuma delas que o passado, apenas o futuro.
Não há mais tempo para remoer amarguras, ou faltas, ou metades
É tudo uma questão celular, elas são átomos que se agrupam,
são apenas uma.
Seus esposos e filhos conversam noutro canto, falam de futebol,
de trabalho, delas eles não falam, não lamentam, não dizem nada,
convenço-me que eles também estão convencidos da força delas,
eu me rio, trocamos olhares e elas sem esforço me falam de coisas
que apenas suponho saber, enquanto observo cada turbante, perucas, laços,
arranjos primaveris em suas cabeças sem cabelos ao vento,
Elas me ensinam a remanejar a minha poesia, noutro verbo que ainda
não conjugo em todos os tempos, subjetivamente vivo cada emoção que
elas declinam de forma realista, intensa vivida, tão vívida que
 consigo afagar suas chagas e suas almas ao vento.

Cristhina Rangel.

Ao Deus te toda poesia

https://www.youtube.com/watch?v=KsYYA1W-rbo&list=PL9E75E065315D7595


Oh! Dá-me asas hoje
Santo Deus dos poetas
Que fazes metades completas !

Dá-me asas brancas
Que se azulem  ao revoar
Nesses meus céus imaginários

Que refresquem o calor
Dessas paixões que guardo

Que absolva-me da minha
devassidão

Dá-me asas verdadeiras
Poupa-me da colisão
Em meus infernos intimos

Óh! Grande Deus dos poetas

Aumenta minhas linhas
Estende minhas margens!


Cristhina Rangel. 

Amanhecer em torvelinho

Depois da noite em torvelinho
A mansidão se achega
Recebo-a com café amargo
Deparo-me com falsidades

Despeço-me dos farrapos
Não quero os diamantes
Sem antes passar pela fornalha

Não quero os elogios
Nem as teorias que me apavoram
Em plena luz do dia

Quero a minha história verídica
Integra nas partes doloridas
Reinventada tantas vezes
Porque eu mudo quando é necessário

Quando é precisa a urgência
Que me faz ser quem sou
Busco minhas raízes
Carrego a minha amargura
Ao lado desta ternura plena
Sou contrária aos silencios

Minha alma é minha poesia
e nela há descrença na fantasia
Não vou colocar mais passarinhos
Em meio a devastação que em mim existe

Prefiro ao longe,
vê-los volitantes, livres
A deixar seus cantos
tristes...

Desague

Desague




Deixe-me beber as fantasias
que escorrem dos seus lábios
Sem maldade

Sentir o silêncio que nos toma
e faz entrar em nós gemidos cúmplices
abafados em tardes quentes

Nós dois, em nosso precipício particular
Saltar agora, morrer depois

Fazer doce esse mar de orgasmos
Esse prazer profundo e fingido
Nas sílabas desencontradas

Do adeus que ensaiamos
e não dizemos.

Cristhina Rangel